sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band [Mono Mix]























01 - Strawberry Fields Forever (Lennon/ McCartney)
02 - Penny Lane (Lennon/ McCartney)

Em 17 de fevereiro de 1967, o novo compacto duplo dos Beatles, mostrava uma nova persona. Lennon se referia a 'eles' como os "clever Beatles". Não fazer mais shows trouxe uma dramática mudança na concepção de banda. E isso se refletiu logo nessas duas faixas, que poderiam ter sido parte de um novo álbum, porém eventualmente elas sairiam no fim daquele ano no LP da Capitol Magical Mystery Tour. Aqui, esse humilde compilador faz exatamente como na coletânea azulzinha (1967-1970), que põe essas duas obras-primas onde deveriam estar - o Lado 1 daquele disco indo como está aqui até "Lucy", e concluindo com "A Day in the Life". O que é um tracklist natural, pois "Strawberry Fields" foi a primeira faixa a ser trabalhada naquelas longas sessões. O que mais gosto nela (e há várias coisas que me tiram do sério em "Strawberry Fields") é a voz de John desacelerada. É muito legal reconhecer o timbre de um mesmo vocalista numa região mais grave, atípica pros Beatles. Essa desaceleração da fita é fundamental pro clima soturno da gravação; os pratos (entre outras coisas) ao contrário, a genial performance de Ringo na bateria e overdubs e todo arranjo de George Martin contribuem para tudo funcionar sem tirar nem botar. A versão mono traz um diferente fade no final... "Penny Lane" é o contraponto ideal: após a visita aos campos de morango com um olhar dark, hora de fazer um picnic ao som de melodias assobiáveis, inspirados pelos Beach Boys. Perfeição perde.























Diz-se que tanto George Martin como John Lennon já foram citados comentando algo como "se você não ouviu Pepper em Mono, você não ouviu Pepper". Um certo exagero, talvez, mas é indiscutível que a experiência é outra. Melhor ou pior é irrelevante, mas qualquer fã sério dos Beatles deveria pelo menos ouvir alguns desses discos em sua versão Mono. E "Sgt. Pepper's" é ponto alto. Lançado em 1º de junho, 04 meses após aquele compacto inicial, o disco é uma busca honesta por um som original, arranjos e concepções que nunca haviam sido explorados anteriormente. E o resultado é 'satisfação garantida'. Da rasgação da faixa-título à catarse de "A Day In The Life" são vários os motivos para se incensar um disco que, à primeira ouvida, pode não parecer mesmo grande coisa (explico: no fundo, é só mais um ótimo disco dos Beatles). Mas a fórmula é simples de entender: pegue os Beatles saídos de Revolver (e "Tomorrow Never Knows"), com a emergente cultura flower power, adicione os escritores da contracultura que incluiam os beatniks Kerouac e Ginsberg, uma pitada de aditivos alteradores de consciência, não esqueça de praticar sua meditação transcendental ao som de música indiana, e tenha George Martin como produtor responsável. Para embalar pra venda, e não virar um item cult deixe tudo bem pop: uma capa que realmente chame atenção, cores berrantes e um conceito - vazio, claro. Mas forte o suficiente para as pessoas acreditarem que se trata de um álbum sobre um mesmo tema.


















03 - Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Lennon/ McCartney)
04 - With a Little Help From My Friends (Lennon/ McCartney)
05 - Lucy In The Sky With Diamonds (Lennon/ McCartney)
06 - Getting Better (Lennon/ McCartney)
07 - Fixing a Hole (Lennon/ McCartney)
08 - She's Leaving Home (Lennon/ McCartney)
09 - Being For The Benefit of Mr. Kite! (Lennon/ McCartney)

O que faz um bom disco? As músicas! E o que faz boas músicas? Os músicos! Pegue o exemplo da Motown. Anos e anos se falando da mágica no "som da Motown", e há pouco tempo saiu um Dvd apresentando a banda (quase nunca creditada nos discos) que esculpiu aquele som, os Funk Brothers - todos músicos de jazz, arranjadores incríveis. Moral da história: sem Lennon, McCartney, Harrison, Starr ou Martin não haveria Pepper. Que como ideia, surgiu numa viagem de trem... Paul foi o grande catalisador de ideias e responsável por motivar o grupo a sempre pensar à frente e não se acomodar. Em "Sgt. Pepper's..." ele é o mestre-de-cerimônias e o que se ouve são guitarras no talo, um cartão-de-visita de um real disco de rock. Já em "Little Help" o minimalismo do arranjo dá a tônica para Ringo cantar à vontade. "Lucy" é bastante lisérgica - essa mix me pareceu ter uma dose maior de phaser, na voz e bateria... E o baixo de Paul comanda, além do órgão Hammond também tocado por ele. O ponto forte é a letra, num estilo surrealista que John levaria ao extremo em "I Am The Walrus" ainda naquele ano. São basicamente canções de Paul as próximas três faixas: "Getting Better" tem uma sacada genial na bateria, e a tambura indiana de George Harrison; em "Fixing a Hole" ouve-se um cravo (George Martin), e os timbres de guitarra ajudam no clima psicodélico. Já "She's Leaving Home" abre com um som de harpa (quer instrumento mais angelical?), num arranjo bacana de Mike Leander para cordas (George Martin até hoje se ressente do fato). Ah, já ia esquecendo: essa música roda mais 'rápida' na versão mono. A voz é mais aguda, e o andamento é levemente alterado 'pra cima'. O lado 1 fecha como um colorido carrossel, com Lennon contando em detalhes todas as atrações observadas em um cartaz de circo, para uma performance do Mr. Kite! Muito bom o loop criado por George Martin que traz a sensação de "música de circo", em compasso 6/8 (o resto da música é quaternário). Esse processo de gravação elaborado por Martin - o bouncing down de trilhas de 04 canais para apenas uma, assim tendo sempre mais trilhas disponíveis para mais gravações foi revolucionária e inspirou dezenas de engenheiros, músicos, produtores (detalhe: já se usava o sistema de 08 canais nos EUA nessa época). E mesmo com os modernos estúdios e mesas de hoje em dia há bandas que - talvez em busca da 'mágica' - utilizam o mesmo recurso que George e os Beatles fizeram em 1967. Exemplo: ouça o disco Black Foliage do Olivia Tremor Control. Quatro canais e muita experimentação...

10 - Within You Without You (Harrison)
11 - When I'm Sixty-Four (Lennon/ McCartney)
12 - Lovely Rita (Lennon/ McCartney)
13 - Good Morning Good Morning (Lennon/ McCartney)
14 - Sgt. Pepper's Reprise (Lennon/ McCartney)
15 - A Day In The Life (Lennon/ McCartney)

Estávamos conversando... sobre como "Within You Without You" é música indiana seriamente composta por Harrison e executada por músicos de lá. Alguns dos instrumentos usados: dilruba, tabla, swarmandal e tamburas (uma delas tocada pelo eterno roadie Neil Aspinall). É perceptível - fora a instrumentação -, o quanto é complexa a música indiana. Os compassos não seguem uma quadratura identificável, onde se espera uma continuação ou resolução. Os ragas, como chamados os temas que podem ser desenvolvidos por horas de improvisação coletiva, seguem estruturas não-lineares, ou seja, as mudanças de fórmula de compasso são constante, muito do fundamento do raga se dá nessa 'quebra' da sensação retilínea do tempo... ao mesmo tempo que uma mesma nota fundamental dá uma sensação de eterno retorno, de tempo suspenso. E como bom Beatle, George conseguiu unir toda essa complexidade na estrutura dessa música, sem fugir do senso de canção que consagrou seu grupo. A melodia é simples, porém forte e a letra resume tudo que se possa elocubrar sobre uma canção como essa: "if they only knew!".

Depois de boas risadas (de novo: esse final na versão mono é bem diferente) mais uma vez Paul quebra o climão e deixa tudo light: "When I'm Sixty Four" é uma delícia e foi uma das primeiras músicas a serem trabalhadas nas sessões iniciais, junto ao compacto lá de cima. Os clarinetes (e clarinetes-baixo) comandam a festa. Frank Zappa acusou os Beatles de terem surrupiado alguma de suas idéias avançadas em Freak Out para o final de "Lovely Rita", o que de fato faz sentido. Em retorno, Zappa faria isso. Mas voltando à "Rita", o experimentalismo não é só no final: o som de 'chocalhos' é na verdade pente e papel. O solo honky-tonky é de George Martin mas ao final ouve-se McCartney ao piano. Sounds Incorporated é um grupo de Liverpool formado por três saxofones, dois trombones e uma trompa (seriam eles os Lonely Hearts Club Band?). É essa galera que segue o canto do galo em "Good Morning". A história do comercial da Kellog's todo mundo conhece, mas o que não se fala muito é de como Lennon gostava de mexer na estrutura das músicas. Essa é bem peculiar, misturando compassos 5/4 - bem incomuns no pop, com o tradicional 4/4 que acompanha o corinho ("Good Morning, Good Morning"). O final então é uma zona. Muito bom! A "Reprise" cumpre seu papel sem muita enrolação, com melodia agora nas três vozes. Mas o melhor estava guardado para o final...
























"A Day In The Life" é uma das principais músicas do séc. XX. Tá tudo lá. O melhor de Lennon, de McCartney e dos Beatles - o bongô tocado por Harrison faz bastante diferença, e a bateria de Ringo é citada por 09 entre 10 bateristas como uma das coisas mais instigantes que eles já ouviram. De George Martin, temos um bom exemplo de como o rock se apropriou do som de uma orquestra chegando ao ápice de usá-lo como efeito sonoro, e não apenas num arranjo pomposo. O que era para ser mais uma canção de rotina de John, precisava de um B que ele não tinha composto ainda. Paul leva então a música a outra direção. Ainda assim, precisa-se de um final grandioso. Faz-se 'o som' então. George Martin o descreve como um "orgasmo sonoro grandioso". É tipo isso mesmo. E pro acorde final, várias mãos num mesmo piano: os 04 Beatles mais Mal Evans, gravando juntos 04 vezes mais através de overdubs e sincronizados naquele processo de bouncing. E sendo o fim de um disco como Sgt. Pepper's, o que não falta é estória. Como aquela do ruído percebido apenas pelos caninos. São 15,000 Hz! E o chamado "Inner Groove", hoje em dia um bônus das edições em cd, mas a idéia na verdade era usar aquela parte do sulco do vinil que não tem música, que serve pra gente lembrar de retirar o disco, e em muitos aparelhos a agulha fica ali, indo e voltando... Com um som um tanto bizarro, ao terminar Sgt. Pepper's você poderia ficar ouvindo aquilo indefinidamente até algum voluntário ir lá na vitrola e trocar o disco. Como diria Mr. Kite: a splendid time is guaranteed for all...

Total Time:
47:02

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