Hora de chutar-o-pau-da-barraca. Lançado no emblemático novembro de 1968, Two Virgins foi gravado na verdade em meados de março, portanto oito meses antes. Após o Wonderwall do George, e com o novo The Beatles revelando excentricidades como "Revolution #9", o terreno parecia mais que propício para John Lennon & Yoko Ono se assumirem como casal e parceiros na arte, com ou sem Beatles.
Mas naquela produtiva noite de março, o futuro casal mal se conhecia. Lennon e sua esposa Cynthia haviam retornado de Rishikesh, Índia - após o mergulho dos Beatles na meditação transcendental - e John parecia disposto a salvar o casamento já em ruínas. Porém, trocando telefonemas com Yoko, a quem ele conhecia desde 66, John aproveitou uma viagem da esposa para a Itália para convidá-la até seus aposentos em Kenwood, onde também se encontrava seu amigo de longa data, Pete Shotton. John e Pete haviam gravado inúmeras fitas durante aquelas semanas (assim como na juventude, os dois adoravam fazer rimas nonsense), e foram essas gravações a base do que viria a ser "Two Virgins".
A ideia é comovente, de tão ingênua. Os pombinhos começaram a noitada dividindo um ácido (acho que a essa altura o Pete já havia dado o fora) - hábito que eles levariam para a futura vida a dois, só que usando heroína. E então deram vazão à loucura produzindo enquanto a noite durava o que ouvimos durante o o disco. As divisões de sessão (Two Virgins 1, 2, etc.) não fazem sentido se pensarmos que a música (se é que podemos chamá-la assim) é como o retrato da capa, tirada meses depois. Um snaphot de um acontecimento, de um love affair. Este, especificamente, só foi consumado após a conclusão da gravação, daí vem a ideia de estarem se descobrindo e se apaixonando, indiferentes ao mundo lá fora, como dois virgens. E daí por diante nada seria do jeito que era antes na vida dos dois...
Após muitos assobios, uma série de sons randômicos no piano começam a aparecer, entrecortados por ruídos. Em seguida uma gravação com rotação alterada se contrapõe aos primeiros vocalizes de Ono, e o primeiro clímax é um grito bastante estridente. Lá pros 6:00 a coisa fica bem interessante: o disco gravado continua tocando (beeem lento), os ruídos se tornam mais intensos, e o piano chega a tentar uma progressão bastante atonal. Seja quem for o pianista do casal, mandou bem. Em geral é fácil achar tudo uma droga e jogar a culpa na voz da Yoko, mas nessa gravação em particular parece que tudo funciona. Os vocalizes de Ono tem um terreno perfeito na loucura concebida pelo Lennon-produtor, incluindo os ocasionais diálogos. Em termos de textura musical, o experimentalismo dos dois tá mais pra dadaísmo do que pra qualquer corrente musical estabelecida. Conclusão? Two Virgins é uma obra sem par, ame ou odeie. Espontâneo, corajoso, e altamente verdadeiro. O final do lado 1 é perfeito nesse sentido, com o "excuse me" de John para apertar o botão de parar do gravador, independente do climão que estava rolando entre a reverberação de algum instrumento e a voz da moça. O lado 2 é extremamente "mais do mesmo"; se não gostou da primeira metade, melhor desistir. A cereja do bolo mesmo é o bonus track do Cd editado em 1997, como parte dos relançamentos do catálogo de Yoko Ono. "Remember Love" é uma pérola, lançada originalmente como Lado B do compacto "Give Peace a Chance". A voz de Yoko é tão doce, que me faz crer que se ela não fosse tão vanguardista em suas concepções artísticas, ela poderia muito bem ter se tornado uma cantora folk/ pop bastante bem sucedida. O violão dedilhado de John lembra muito "Sun King", presente no Abbey Road. Obrigatório.
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