Ao pensar com meus botões que discos do Pink Floyd eu daria prioridade pra adquirir, certamente escolheria o álbum de estreia (The Piper at the Gates of Dawn), que amo de paixão, o Meddle e o Animals. Também tem o A Saucerful of Secrets, Ummagumma e o Wish You Were Here, mas em nenhum momento o The Wall figurava em qualquer 'top 5' que eu fizesse sem pensar muito. Assim como alguns clássicos do Zeppelin, Deep Purple e Sabbath, o The Wall é daqueles discos que ouvi tanto na adolescência que estava dentro de uma gaveta (um muro?) cuja importância eu subestimava. Eu sequer o havia ouvido na antiga versão em CD. Só conhecia mesmo o velho LP CBS de meu irmão e, claro, o genial filme de Alan Parker que mune o espectador de vívidas imagens para sempre indissociáveis do áudio original.
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O disco duplo original é uma obra ímpar não só na discografia do Floyd, mas de uma visão que não se encontra em nenhuma outra banda. Pensei, pensei, e não achei absolutamente nada parecido. Mesmo sem ter havido filme (lançado em 1982) é uma narrativa completa, em 02 atos, com personagens, efeitos sonoros (altamente valorizados na remasterização), e a mais emblemática performance de Roger Waters que, pra quem não sabe, é o grande gênio por trás da concepção do álbum, e canta diversas músicas de maneira tão visceral que você não acredita que ele é apenas o vocalista do Pink Floyd, mas ele é o próprio Pink, personagem principal da trama narrada em The Wall. De fato, a gênese do álbum partiu da própria experiência de Roger vendo os shows de sua banda se transformarem em um mega evento, tocando em estádios e perdendo o contato próximo aos fãs de outrora. A catarse veio após um show da turnê do disco anterior, Animals, onde Rogério Águas cuspiu em um fã que havia furado o bloqueio dos seguranças para poder subir no palco, berrando o quanto amava o Pink Freud. Adicione a essa egotrip sua história de vida pessoal, tendo perdido o pai para uma guerra, e o amigo e líder dos primódios do Floyd, Syd Barrett, para a loucura causada pelo uso abusivo de drogas alucinógenas.
Listo aqui o que há de realmente diferente e interessante no CD extra: o "prelúdio" (a única demo original de Roger inclusa) que é uma colagem de sons tirados de gravações da Vera Lynn - que viraria tema para uma composição original incluída no LP ; "Teacher Teacher" (retrabalhada como "The Hero's Return" em The Final Cut de 1983), "Sexual Revolution" e "Backs to the wall", faixas deletadas do disco original, lançado em novembro de 1979, além das duas contribuições de David Gilmour (fora "Run Like Hell") com trechos inteiros completamente diferentes: "Young Lust" e "The Doctor" (que virou "Comfortably Numb"). Isso não quer dizer que as outras faixas são dispensáveis. É incrível como The Wall é um trabalho onde os detalhes são tão importantes quanto as melodias ou solos de guitarra. Várias músicas que conhecemos de cor e salteado aparecem em versões idênticas... até um arranjo no meio ou final da música aparecer e você perceber que o produto final foi o resultado de várias tesouradas para incluir no disco duplo o que havia de mais essencial no repertório e dentro de cada música. Mérito da dupla Waters-Gilmour que assinam a produção junto a Bob Ezrin (um cara que tem no currículo o Berlin de Lou Reed e Destroyer do Kiss). Além destes, um nome aparece como co-produtor: James Guthrie. Esse engenheiro de som foi tão importante para este trabalho (que realmente tem um som só seu, extremamente peculiar), que foi chamado para produzir o disco seguinte, The Final Cut (o canto de cisne de Roger Waters à carreira Floydiana), e é um dos responsáveis pela remasterização de todo o catálogo relançado em 2011. Guthrie também foi recrutado para a transposição de The Wall de um trabalho de estúdio para show ao vivo. Gilmour, que não raramente batia de frente com as decisões egoístas do líder assumiu a direção musical do show, sendo responsável por contratar e ensaiar os músicos extras e de coordenar toda a equipe durante o espetáculo.
IS THERE ANYBODY OUT THERE? é o nome desta preciosidade fotografada ao lado. Todas as fotos seguintes são do mesmo box, que são registros tirados da turnê The Wall entre 1980 e 1981. Foram somente 27 shows, ou seja, se você estava em um deles pode se considerar um 'lucky bastard' só por ter estado presente. Roger Waters reviveu o mesmo conceito nos anos 80 e mais recentemente com uma turnê, mas nada se compara à experiência original. Na caixa "Immersion" tem um DVD que traz uma ou duas faixas em vídeo, mas a dura realidade é... show completo em alta definição, sem chance! Dá pra arriscar alguns registros de filmadora postados no Tubo, mas o que mais aproxima fidedignamente da experiência é esse CD duplo, que também foi remasterizado e incluído na tal da imersão. Para sorte de quem adquiriu o lançamento original (o meu comprei em Maceió, circa 2001) o livreto é recheado de ótimas fotos em papel especial, depoimentos dos 04 membros e também de James Guthrie, um "Behind The Wall" (antes do doc) com detalhes da produção... ou seja material suficiente para atestarmos a grandeza do projeto.
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Resumo da ópera: The Wall ao vivo é a famosa "ultimate experience": não dá pra ficar melhor que isso (quer dizer, o áudio remasterizado deve ter melhorado o que já era bom)...
Nas fotos, dá pra ter uma boa ideia do que era essa experiência do ponto de vista da plateia: até o final do primeiro set o muro ia sendo construido. No segundo set, várias brincadeiras eram feitas para aproveitar o 'cenário', como Roger cantando no que seria o quarto do personagem Pink, ou David solando "Comfortably Numb" do alto do muro... Impossível ficar indiferente também às animações feitas por Gerald Scarfe, tão boas que se tornaram parte essencial do filme de Alan Parker. As animações eram projetadas no muro, claro. Melhor telão, impossível. ( 0:
Então tá, vamos ao que interessa, em mp3 320 kbps, começando pelo disco original remasterizado:
CD 1
CD 2
CD 3 (Work in Progress)
Pt. 1
Pt. 2
E então temos o original Is there anybody out there?, não-remasterizado, ou seja, essa NÃO é a versão presente na edição Immersion do The Wall. Já tem na net? Fiquei com preguiça de procurar, e quis com esse post compartilhar exatamente o que fez minha cabeça nas últimas semanas...
The Wall Live 1980-1981
CD 1
CD 2
Post-scriptum (elocubrações sobre o que veio depois): The Wall é tão marcante que enterrou de vez uma banda que já assumiu que vivia uma crise desde o estouro de The Dark Side of The Moon, lançado em 1973. As sessões de Wish You Were Here e Animals já foram tensas, culminando na demissão (!) do incomparável Richard Wright, que numa atitude de extrema hombridade (sorte nossa) fez questão de ir até o fim das gravações de The Wall e de sair em turnê como músico contratado (!???) da banda-loucura de Waters. E o que veio depois? Uma grande viagem de Roger chamada de "Requiem for a Post-War Dream" ou simplesmente The Final Cut. Um disco do Pink Floyd sem Richard Wright? Give me a break. Racionalizando: The Wall é tão grandioso que engoliu o Pink Floyd em seu próprio vórtice. A serpente mordeu a própria cauda (ou qualquer metáfora semelhante). O caminho traçado por The Wall nunca deveria ter sido repetido, o que mais ou menos é a única maneira de justificar a existência do Final Cut. E que disco estaremos discutindo daqui a mais 30 anos? The Final Cut? Acho improvável, mas The Wall será para sempre redescutido, reouvido e reassistido...