quinta-feira, 2 de abril de 2009

Lumpy Money


Do babylon.com:
lumpy adj. grumoso; cheio de pedaços; estúpido, bobo; balde (de água)

Difícil é pegar essa tradução e entender exatamente o que seria um Lumpy Money. Seria o 'dinheiro' no título do mais recente lançamento do Zappa Trust uma referência à natureza "caça-níqueis" desses audio documentaries?? A onda começou com o MOFO - The Making of Freak Out - Project/ Object, três anos atrás, 04 disquinhos acerca da obra seminal que lançou Frank Zappa e os Mothers of Invention no cenário pop (pois é) mundial. Já que não saiu nenhum material extra sobre seu segundo disco Absolutely Free, parece que a idéia é lançar edições especiais sobre discos que eles realmente consigam pôr em perspectiva, fuçando os milhares de arquivos que Zappa acumulou desde sempre, quando começou sua carreira já com seu próprio Studio Z. Mas há quem possa reclamar que, além dos materiais extras e não lançados desses Projeto-Objetos, a repetição dos discos originais na íntegra são redundantes e só fazem encarecer o produto final. Mas não é de hoje que o bigodudo deixou bem claro que business fazia parte do fazer musical. Principalmente em se tratando de rock, e seus derivados, para ele apenas rótulos inventados para vender discos. FZ costumava brincar com as variações do rock desde sua gênese: o twist, blues, swing e doop-wop de grupos vocais... Frank sempre encontrava um jeito de inserir esses elementos em sua música e costumava dizer que se os discos vendiam, era porque ele conseguia fazer música de entretenimento para pessoas que precisavam ser entretidas. Ou seja, a revolução atribuída aos primeiros discos dos Mothers of Invention para ele era qualquer coisa, discos de uma 'low-budget rock'n'roll group' mal tocados e mal divulgados pelo depto. de marketing da gravadora.
Ele só viria a mostrar suas verdadeiras ambições musicais (pouco delineadas em Freak Out e já evidentes em Absolutely Free) com o lançamento de Lumpy Gravy em Maio de 1968. Mas outro álbum ganhou mais notoriedade, lançado dois meses antes: We're Only In It For The Money, o da controversa capa parodiando o Sgt. Pepper's dos Beatles (o disco saiu com essa arte na capa interna e vice-versa), e tirando um sarro pesado com os hippies. Ele utilizou-se da linguagem do rock'n'roll em sua versão bicho-grilo, popular e contraditório em sua bandeira de contracultura, para esculhambar com os próprios hippies e todos aqueles grupos da Haight-Ashbury, sacanear os intocáveis Beatles (as faixas interligadas em "Money" é mais uma alusão a você-sabe-o-quê), além de massacrar o alvo favorito de Zappa, o American way of life ou os americanos mesmo em geral. Os vocais e letras bem-humoradas (às vezes beirando o pastelão) acabam tirando um pouco a atenção da música, como sempre genial, com idéias avançadas de métrica musical e edição de sons vanguardista até a alma. Mas na superfície, ainda era um disco de rock.
Lumpy Gravy...
Gravado com a Abnuceals Emuukha Electric Symphony Orchestra (& Chorus), o disco foi concebido como uma séria incursão na música orquestrada, com influências claras de Ígor Stravinski e Edgar Varèse. A versão primordial do disco todo instrumental, sem aqueles diálogos chapados direto de um bumbo de bateria, é lançado pela primeira vez aqui no Disco 1 de The Lumpy Money Project/ Object [2009]. Gravado para a Capitol Records, O Lumpy Gravy original acabou não saindo por desavenças em relação ao contrato na época. Eventualmente ele saiu pela Verve, a gravadora "oficial" dos Mothers, que não sabia como lidar com esse grupo "comercialmente", mas que pelo menos serviu pra ensinar Frank a não perder tempo com empresas megacorporativas.
Com as fitas originais debaixo do braço, pro novo lançamento Zappa estilhaçou o material da primeira versão orquestrada, mixando-as com gravações mais antigas feitas no Studio Z (basicamente, surf-rock instrumental) mais uma série de diálogos viajandões gravados entre as sessões para WOIIFTM, uma série de trechos entrecortados numa edição digna de Eisenstein, mas fundamentadas nas idéias de John Cage, que compunha peças em cima do conceito de aleatoriedade aplicada à música. O resultado é, em vários níveis, arrebatador. O próprio Zappa revelou em entrevistas que Lumpy Gravy é um dos álbuns mais bem cotados no seu ranking pessoal. Por muitos anos ele foi com certeza o mais raro de se achar, pois a gravadora não tinha o menor interesse em mantê-lo em catálogo.
Mas ao se apossar de todos os direitos sobre seus lançamentos passados, em algum ponto da década de 70, Zappa depois não só lançou caixas com seus discos antigos, como em alguns deles ele mexeu no material, criando novas 'master takes' ao regravar trilhas inteiras de baixo e bateria, acelerando fitas, dando um 'upgrade digital' que tirou o sono dos puristas nos anos 80. O disco que mais sofreu na mão de FZ circa 1984 foi o WOIIFTM. Zappa o julgava mal-executado, e deslumbrado com a tecnologia digital, ele viu ali a chance de deixar o disco mais próximo de como ele queria que soasse na época... Difícil é não preferir os timbres vintage do disco original (presente no disco 1 de Lumpy Money). A versão de Lumpy Gravy ouvido no disco 2 de LM não foi lançado nas edições em cd que colocavam as duas obras em um disquinho, com o WOIIFTM remixado. A única versão desses álbuns que ficou de fora de LM é o Lumpy Gravy conhecido universalmente, mas boa parte dele é igual à mix de 84. O que é diferente é que no background dos trechos que conhecemos como diálogos sem música ao fundo, ouve-se jams de Frank, Arthur Brown (baixo) e Chad Wackerman (bateria), com resultado insatisfatório (vai ver por isso FZ não se arriscou a lançar essas sessões). Outras diferenças são mais sutis e perceptíveis para poucos...
Além de todas essas versões lançadas ou não, o disco 3 de Lumpy Money traz sessões de ambos os discos, ensaios para LG, soando mais como um estudo, incluindo uma versão tresloucada de "Help, I'm a Rock". A parte de WOIIFTM traz takes instrumentais, assim como ouvimos em MOFO, o que é uma experiência extraordinária. Acho que se esses álbuns na época fossem lançados como discos instrumentais, eles seriam bem mais respeitados no meio musical fora do âmbito rock'n'roll.
Duas obras gravadas quase simultaneamente em 1967, mas que mantém pouca semelhança estilística entre elas, não passando de referências perceptíveis de um no outro, notadamente de LG em WOIIFTM. Dois exercícios de linguagem de um compositor em plena evolução, saindo de discos que se compravam nas prateleiras de lojas como "rock psicodélico", concebidos de uma posição privilegiada de roqueiro cult, com vastas pretensões e "visão-além-do-alcance".
Ouvidos dentro da bolacha tripla pondo as diferentes versões em perspectiva, tudo na mesma qualidade, há um sentido de completude ao material, uma obra em progresso às avessas, pois o ápice parece ser mesmo o Lumpy Gravy que ninguém ouviu em 67, 68 ou até a era dos downloads de versões em qualidade sofrível.
Então, você já sabe, Lumpy Money vale cada centavo. Mas enquanto a alta do dólar atrapalhar, segue os links para "satisfaction guaranteed"...

Disc 1
Disc 2 - 1 e 2
Disc 3

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